A ciência contida nos perfumes

Juntar as matérias-primas naturais ou sintéticas que melhor combinam e fazê-lo na proporção correta é a receita para criar perfumes que deixem marcas. Embora não se dispense o nariz do perfumista, a ciência dá uma ajuda preciosa, permitindo “queimar” etapas, como explica Vera Mata, engenheira de perfumes.

“Eu consigo cheirar todos os cheiros que existem no mundo”. Jean-Baptiste Grenouille, personagem do filme “O Perfume”, baseado no livro homónimo de Patrick Süskind, tinha, de facto, esta capacidade inata, mas irreal, de reconhecer qualquer odor, embora o próprio não tivesse odor.

Os fabricantes de perfumes, pelo contrário, não têm superpoderes. Por isso, nesta indústria muito competitiva, os segredos científicos são mesmo a alma do negócio.

“Atualmente, todas as grandes empresas na área da perfumaria precisam de ter conhecimentos científicos nesta área. Não juntamos as matérias-primas de forma aleatória. Sabemos que há algumas que combinam e outras que não combinam”, diz Vera Mata, engenheira química, investigadora e perfumista.

Com efeito, “até meados do século XIX era tudo muito empírico, mas, à medida que a ciência foi evoluindo, percebeu-se que o facto de duas matérias-primas não serem compatíveis tinha a ver com as suas características físico-químicas e não apenas com o nariz de perfumista”.

A maior dificuldade é que existem cerca de 5 mil matérias-primas unitárias que podem ser usadas em perfumaria numa infinidade de combinações e de proporções. “Esse é o grande dilema”, anui.

O grande contributo desta engenheira de perfumes, juntamente com outros investigadores portugueses, foi elaborar um modelo teórico de previsão do cheiro de qualquer proporção, o que poupa tempo, matérias-primas e dinheiro.

A metodologia criada, com o nome PTD – Perfumery ternary diagrams (PTD Perfumery Trinary Diagram, foi registada no INPI e foi dada a conhecer num artigo científico publicado no jornal de maior impacto na área da engenharia química, o American Institute of Chemical Engineers Journal (AIChE Journal).

Esta metodologia permite "fazer uma previsão do cheiro para qualquer mistura de ncomponentes, mas de uma forma teórica: podemos prever que o composto A, o composto B e o composto C, quando estão juntos numa determinada proporção, cheiram a limão e não a rosa, mas se estiverem juntos noutra proporção cheiram a rosa e não a limão. Conhecendo, à partida, as propriedades físico-químicas de cada um dos compostos, consegue-se saber o odor predominante de uma mistura para qualquer proporção".  

Assim, por exemplo, se queremos ter um perfume fresco, com uma nota doce e feminino, a partir de certas matérias-primas - um citrino (clementina), uma flor (a rosa) e uma nota de base (baunilha) -, o diagrama mostra, por cores, quais as proporções que devem ser testadas.

Contudo, a metodologia "não anula o olfato do perfumista. Não é o computador que seleciona as matérias-primas, mas o perfumista. Isto só elimina etapas no processo da perfumaria. No fundo, 90% é arte”.

O projeto de investigação nasceu em 1998 no laboratório LSRE do Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, a partir de um sonho de Alírio Rodrigues, professor daquela instituição, tendo resultado em publicações científicas em revistas internacionais.

Cheiros ao preço do ouro

Como explica Vera Mata, cada matéria-prima nova, antes de estar disponível para esta indústria, é testada de forma a garantir que não causa problemas à saúde (alergias, por exemplo) e ao ambiente, necessitando de aprovação por parte das autoridades competentes.

De forma inversa, há matérias que estão a ser retiradas porque se descobriu que são potencialmente nocivas para a saúde humana.

Além disso, cada vez vão sendo descobertos novos materiais, sejam naturais, sejam naturais idênticos, sejam sintéticos. “As matérias-primas naturais são retiradas por processos físicos diretamente das plantas, caso das alfazemas, das mentas e dos citrinos. As naturais idênticas que conhecemos da natureza, como o jasmim, são reproduzidas em fábricas. As sintéticas não são sequer encontradas na natureza”.

A substituição dos produtos naturais por sintéticos acontece, sobretudo, quando a matéria-prima é muito rara e cara. “Muitas vezes, são necessárias toneladas de pétalas para obter um quilo de óleo essencial natural. Cada gotinha faz a diferença”, diz.

Isto explica que algumas matérias-primas possam atingir “preços absolutamente astronómicos, ultrapassando o preço do ouro”.

A solução passa por estudar, em laboratório, os componentes químicos na proporção necessária para conseguir um cheiro aproximado ao que existe na natureza, permitindo uma utilização massiva.

Por outro lado, “nem tudo o que é natural faz bem e alguns óleos têm compostos químicos que fazem mal à saúde”. Tenta-se por processos físicos retirar esses compostos, como se retira a cafeína do café.

Para a cientista, que se tem dedicado ao desenvolvimento de marcas olfativas, “um perfume tem de contar uma história. Os perfumes são moléculas. Quando temos dores de cabeça, tomamos paracetamol, que atua no nosso cérebro e vai provocar uma sensação de alívio. Os perfumes entram pelas nossas narinas e pelas nossas mucosas e vão parar ao nosso cérebro, através dos recetores olfativos, provocando emoções que estão ligadas às nossas experiências passadas”.

Ainda hoje, nota, a maior parte dos animais sobrevive à custa do olfato. Este sentido tem um papel importante no acasalamento e no alerta para o perigo. “Nós, humanos, mantivemos a capacidade do olfato, mas deixamos de lhe dar importância em termos de sobrevivência. Mas, ainda hoje, excetuando os anósmicos, detetamos sinais de perigo através do olfato, como o cheiro de comida em decomposição ou de mercaptanos, compostos adicionados ao gás butano e que lhe dá um odor característico”.

Conforme refere, existem cada vez mais estudos científicos que demonstram propriedades terapêuticas (estimulantes, relaxantes) de determinados cheiros, designadamente em aromaterapia, utilizando instrumentos como eletroencefalogramas e eletrocardiogramas para medir respostas fisiológicas. Outra área em expansão é a utilização de testes olfativos na deteção de doenças, como Parkinson e Alzheimer, sucedendo-se os estudos científicos [ver recursos].

 

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